Moradores de Paraisópolis questionam abordagem da PM e pedem mais diálogo na favela

Quando falamos de Paraisópolis, a palavra-chave que salta é tensão. Para quem vive na comunidade, abordagens violentas da Polícia Militar infelizmente já se tornaram parte do cotidiano. Mesmo assim, cada operação traz feridas novas e reabre discussões antigas, expondo o abismo entre a população e as forças de segurança. O que deveria ser uma atuação para proteger vira fonte de insegurança, especialmente para famílias que perderam entes em situações ainda envoltas em versões conflitantes.
União de Moradores denuncia rotina de violência em Paraisópolis
A sensação de desgaste é comum para quem mora em Paraisópolis. Segundo relatos de líderes comunitários, operações policiais com desfechos fatais já não surpreendem. O vice-presidente da União dos Moradores, Janilton Jesus Brandão de Oliveira, conhecido como China, expressou indignação ao comentar a última ação que tirou a vida de Igor Oliveira de Moraes Santos, de 24 anos, e de Bruno Leite. “Violência virou rotina aqui, num ciclo em que a comunidade se sente desacreditada diante do Estado”, afirma China.
Em sua crítica direta, o representante da associação relembra que a troca de versões após cada operação apenas reforça a sensação de impunidade. De um lado, as versões oficiais; de outro, relatos de quem vive a realidade local – na maioria das vezes, sem escuta ou acolhimento.
Operação com desfecho trágico e prisão de policiais
A Polícia Militar de São Paulo justificou a ação a partir de uma denúncia sobre homens armados num suposto ponto de tráfico. Ao chegarem, abordaram quatro suspeitos que tentaram escapar. Um dos jovens foi morto no imóvel onde tentaram se abrigar, e as câmeras corporais dos policiais revelaram que Igor já havia se rendido quando foi atingido fatalmente.
A repercussão da gravação foi imediata: dois policiais acabaram detidos em flagrante por homicídio doloso, medida tomada após análise das imagens. O porta-voz da PM paulista, coronel Emerson Massera, confirmou que o disparo foi feito mesmo com o jovem rendido, sem justificativa plausível que pudesse respaldar a ação letal.
Líderes comunitários, porém, acreditam que só houve transparência por conta da pressão exercida pelas imagens e pelo caso ganhar visibilidade. Para muitos moradores, casos como esse são marcados pela desinformação ou versão unilateral – e só ganham novos contornos quando há flagrante evidências em vídeo ou forte mobilização social.
Protesto, nova morte e clima de comoção
Logo após a operação, moradores se reuniram para protestar. No entanto, a manifestação acabou em confronto e registrou mais um óbito: Bruno Leite, que tinha passagens anteriores pelo sistema prisional, morreu após novo tiroteio com a Rota, a tropa de elite da PM. Um policial também ficou ferido no incidente.
O cenário de tensão se agravou ainda mais com uma detenção por incêndio a um veículo – mais uma demonstração de que a relação entre Estado, polícia e comunidade está longe de ser pacífica. A ferida, para as famílias das vítimas e para quem presencia essa repetição de tragédias, é também institucional.
Ação social cancelada e pedido por mudanças
A instabilidade dos últimos dias levou ao cancelamento de um mutirão de direitos humanos que traria serviços essenciais – emissão de documentos, vacinação e atendimento previdenciário – para a população local. O avanço da crise de segurança e a presença ostensiva da Polícia Militar colocaram em risco a realização do evento.
Em nota, as entidades organizadoras lamentaram o adiamento e pontuaram que a decisão partiu das mortes e da insegurança desencadeada pela operação do 16º Batalhão da PM.
A União dos Moradores de Paraisópolis agora busca diálogo com representantes de direitos humanos para discutir a necessidade de responsabilização dos agentes do Estado e a implementação de abordagens que respeitem o devido processo legal. “Não se trata de ser contra a polícia, mas sim de exigir que ela atue dentro dos limites da lei”, resume o vice-presidente, ecoando um sentimento coletivo de quem luta por dignidade e justiça sem recorrer ao medo como moeda de troca.
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